O
executivo Francisco Valim, de 49 anos, membro d'A Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons), assumiu nesta
segunda-feira a presidência da Viavarejo – uma das maiores empresas de
varejo do mundo, dona das redes Casas Bahia e Ponto Frio e hoje
controlada pelo Grupo Pão de Açúcar. Uma de suas primeiras missões será
preparar a companhia para ampliar sua presença na bolsa de valores, por
meio de uma grande oferta pública de ações (uma OPA, no jargão
financeiro).
A
chegada de Valim é a segunda tentativa dos controladores de tocar o dia
a dia do negócio sem a presença da família Klein, que fundou a Casas
Bahia nos anos 50 e esteve no comando até o final do ano passado. Na
primeira, deu tudo errado.
Antonio
Ramatis foi pinçado dentro do próprio Pão de Açúcar para assumir a
Viavarejo no lugar de Raphael Klein, ficou seis meses no cargo e saiu
acusando os chefes de se intrometer além do tolerável na gestão da
empresa. Valim diz que o problema envolvendo seu antecessor não é da sua
conta e nem o preocupa. "Acredito que terei espaço e autonomia para
executar meu trabalho da melhor forma possível", afirma, em sua primeira
entrevista como presidente da Viavarejo.
Membro
da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o gaúcho Valim
já foi missionário, é pai de quatro filhos (três são gêmeos) e é formado
em formado em administração de empresas.
Começou
a carreira o grupo de mídia RBS, passou pela Serasa Experian, pela NET e
até janeiro era presidente da operadora de telefonia Oi – de onde saiu
em janeiro depois de bater de frente com os controladores da companhia.
A seguir, os principais trechos da entrevista realizada na segunda-feira, primeiro dia de Valim na Viavarejo:
Como foram esses dez dias entre o anúncio de que você seria o novo presidente e seu primeiro dia na empresa?
Pesquisei
na internet, avaliei resultados financeiros do passado disponíveis na
CVM (Comissão de Valores Mobiliários), encontrei algumas pessoas. Tudo
isso facilita a chegada. Mas a situação é tranquila porque não estamos
falando de uma companhia que tem problemas. Minha tarefa é continuar o
bom trabalho que já vem sendo realizados e cuidar para que ele evolua.
Os sócios estão alinhados em torno disso.
Os sócios podem estar alinhados agora, mas de vez em quando eles se desalinham e começam a brigar...
Num
processo de recrutamento como esse que passei você é avaliado, mas
também avalia. E minha percepção é de que há, sim, um alinhamento muito
grande entre os sócios. Não vi nenhum tipo de divergência nas conversas
que tive. O Grupo Pão de Açúcar e a família Klein querem que a empresa
continue crescendo. Até vi uma ou outra especulação sobre isso que você
está falando nos jornais, mas não é o que verifiquei de fato com eles.
A
empresa anunciou a intenção de fazer uma grande oferta pública de ações
para que a família Klein se desfaça de uma participação. A operação
está mantida?
Esse
é mais um ponto de alinhamento entre os sócios. Agora, se vai ou não
acontecer neste ano, essa é uma informação restrita. As condições para
fazer uma oferta são determinadas pelo mercado e pelos nossos
assessores, Credit Suisse e Bradesco. Eles são os responsáveis por
acertar o ‘timing’ dessa transação. Nosso papel é estar pronto quando a
hora chegar.
Mas, na sua opinião, o mercado está propício?
Estamos fazendo o que é necessário dentro da organização para deixar tudo pronto.
Qual foi a missão que o senhor recebeu quando aceitou o convite?
Meus
objetivos são de longo prazo. O principal deles é fazer a receita
crescer, ampliar a abrangência da companhia e melhorar resultado,
otimizando investimento. Esse hoje é o principal desafio.
Seu
antecessor, Antonio Ramatis, deixou a empresa em conflito com os
controladores, queixando-se publicamente da interferência deles na
gestão. O senhor levou isso em conta ao avaliar a proposta?
Não
é minha responsabilidade me envolver nesse processo. Acredito que terei
espaço e autonomia para executar meu trabalho da melhor forma possível.
Essa não é uma preocupação.
Como foi seu processo de seleção?
Foi
feito por meio de um head hunter e conduzido pelo Eneas Pestana
(presidente do Grupo Pão de Açúcar). Conversei com Jean-Charles Naouri
(dono do Casino, que controla o Pão de Açúcar), em Paris. E também com
Michel e Rafael Klein.
Falou com Abilio Diniz?
Não. Abilio não fez parte do processo de seleção.
O senhor chegou a conversar com Samuel Klein (fundador da Casas Bahia)?
Não.
Cruzei apenas uma vez com ele, no corredor, quando ainda era presidente
da Serasa e a empresa prestava serviços para a Casas Bahia. Mas ele não
se lembra de mim.
O senhor está assumindo o lugar que foi dele...
Para
mim, é uma honra ocupar este posto. A Casas Bahia começa com um
imigrante que fugiu da guerra e que, com pouco mais que uma carroça,
criou uma das maiores empresas de varejo do mundo. É um motivo de
orgulho para mim participar dessa história. Mas Samuel Klein é
insubstituível. Minha responsabilidade é manter os valores que ele criou
- tratar com carinho as pessoas que trabalham aqui e cuidar do freguês
como se fosse nossa própria família.
Como sua experiência na Oi pode ajudá-lo na Viavarejo?
Tive
uma experiência excelente na Oi. Conseguimos fazer a receita da Oi
crescer depois de três anos negativos. É isso que eu sei fazer. E esse é
meu papel primário aqui. Tenho uma experiência larga no mercado de
varejo. Telecomunicação é mais varejo que qualquer outra coisa: é
preciso vender, reter, trabalhar com clientes.
A versão do mercado é que o senhor teria tido problemas com os sócios da Oi, por isso deixou a empresa. Foi uma surpresa?
O
que aconteceu na Oi para mim é um episódio do passado. Serviu de
experiência e serviu de aprendizado. Acho que executei bem meu papel lá.
O que acontece depois disso é um problema particular meu e da Oi.
Problema seu e da Oi ou com algum sócio da Oi?
Como
responsável fiduciário pelas organizações que represento, não tenho
direito de falar sobre elas. Posso falar quando é bom – ninguém vai me
criticar por isso. Mas se não é para falar bem, eu não tenho que falar
nada. Não falei até agora e não vou falar. Quando não dá certo, não dá
certo. A vida continua para os dois lados. Tem que olhar para frente.
O senhor teria movido um processo contra a Oi...
As pendências que eventualmente existam são problemas que a Oi e eu vamos resolver no seu devido tempo.
O senhor assume a Viavarejo em um momento de desaquecimento do consumo. Com que cenário o senhor está trabalhando?
Não
vejo desaquecimento, no máximo uma desaceleração do crescimento, o que é
muito diferente. Ainda há um potencial muito grande de expansão
geográfica no Brasil e os produtos que vendemos ainda têm uma penetração
baixíssima no mercado brasileiro. Com crescimento de renda, vamos
continuar crescendo. O cenário ainda é promissor.
O potencial geográfico que o senhor citou está onde?
Hoje estamos mais concentrados na região Sudeste. Mas fora existe um potencial grande para ser aproveitado.
Hoje vocês não tem um grande competidor no calcanhar ...
Temos
vários. Esse é um mercado que apesar de ter alguma concentração ainda é
bastante pulverização. No plano nacional há competidores bastante
competentes. No nível regional, há competidores com táticas bastante
eficientes também. É um mercado de margens baixas porque é bastante
competitivo.
O senhor ainda fica nervoso antes de começar num emprego novo ou isso não existe para alguém com sua experiência?
Ontem,
por coincidência, estava revendo com meu pai o filme Pelé Eterno e ele
conta que quando foi bater o pênalti do milésimo gol, tremeu. Se o Pelé,
que tinha feito 999 gols tremeu... Não existe a possibilidade de não
ficar ansioso. O que me deixa tranquilo é já ter passado por várias
experiências. Já sei o que esperar e o nível de ansiedade diminui.
O sr. saiu da Oi em janeiro e só começou a negociar com o Grupo Pão de Açúcar em junho. O que fez nesse meio tempo?
A
última vez que tirei férias de 30 dias foi em janeiro de 1982. Tirei
esse tempo para ficar junto da família. Passamos três semanas em Nova
York, todos juntos, morando numa apartamento menor. Meus filhos fizeram
um curso, eu fui fazer culinária. Foi importante.
Vai levar mais três décadas para tirar 30 dias de férias outras vez?
Pela
idade, acho que não (vai completar 50 anos no dia 13). Apesar de que
meu pai tem 85 anos, é plantador de arroz no Rio Grande do Sul e
trabalha todos os dias.
O sr. é religioso?
Muito.
Poderia ficar horas falando disso aqui. Fazia engenharia e, em 1981,
servi no CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva)como oficial
de engenharia, em Porto Alegre. Quando sai, servi dois anos como
voluntário missionário da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias, pregando para famílias no Paraná. Quando voltei, depois do
Exército e do período como missionário, comecei a assistir aula de
resistência dos materiais, geologia avançada.. Faltava gente, percebi
que não ia funcionar para mim e mudei da engenharia para administração
de empresas, o curso em que me graduei.
Qual foi o papel da igreja na sua formação?
A
gente lida com o ser humano. E a igreja te ensina a nunca achar que
você é mais importante que os outros. Porque eu exerço uma função de
destaque, mas não sou uma pessoa necessariamente diferente das outras.